Rio de Janeiro e São Paulo, 29 de abril de 2020
Exmo. Sr. Ministro Astronauta Marcos Pontes Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações
Prezado Ministro,
Em primeiro lugar, agradecemos a sua intervenção para que modificações fossem feitas na Portaria 1122/2020, motivadas por carta que lhe foi enviada por nossas entidades, no dia 26 de março de 2020, apoiada por cerca de 70 sociedades científicas das mais diversas áreas do conhecimento.
Dois pontos importantes foram acrescentados à Portaria 1122/2020 pela Portaria 1329, de 27 de março de 2020: 1) Foram também “considerados prioritários, diante de sua característica essencial e transversal, os projetos de pesquisa básica, humanidades e ciências sociais que contribuam para o desenvolvimento das áreas definidas nos incisos I a V do caput”; 2) as prioridades definidas na Portaria passaram a ter caráter orientativo para os órgãos do MCTIC e não de obrigação, com anteriormente estava estabelecido.
No entanto, um aspecto essencial das nossas preocupações, já colocado na carta anterior, não foi incorporado à portaria mencionada: a definição de programas prioritários para apoio à pesquisa básica. Na carta havíamos destacado também a importância de um diálogo mais direto entre a comunidade científica e o MCTIC em relação à definição de prioridades para a ciência brasileira para os próximos anos.
Ressaltamos novamente que todo governo tem o direito e o dever de formular prioridades para suas políticas e programas e que a Portaria certamente identifica áreas importantes e de vanguarda com impactos produtivos, econômicos, sociais e de sustentabilidade. No entanto, apesar de ter sido incluída na nova portaria a possibilidade de se apoiar projetos de pesquisa básica, e dentro desta projetos das áreas ciências sociais e humanas, desde que se encaixem nas atividades prioritárias ali definidas (fundamentalmente projetos de desenvolvimento tecnológico), não foi atendida nossa questão central sobre a importância do apoio à ciência básica e a seu caráter horizontal.
A nosso ver, como já argumentado na carta anterior, os investimentos em CT&I nos próximos anos não podem negligenciar o apoio à ciência básica, em paralelo às ações de indução nas áreas tecnológicas e de inovação consideradas prioritárias. Programas que já se mostraram importantes e com resultados relevantes, assim avaliados pelos próprios órgãos do MCTIC (CNPq e CGEE), como o Edital Universal, o programa dos INCTs, o PIBIC e outros programas de bolsas do CNPQ, devem ser considerados também estratégicos para a consolidação de jovens pesquisadores, para a formação de profissionais inovadores e para a produção de novos conhecimentos científicos. Para esses programas, a horizontalidade para todos os domínios do conhecimento deve estar garantida, o critério de escolha sendo definido pela qualidade do projeto, ou seja, pelo seu mérito científico.
Uma questão central emerge: se não há a possibilidade de uma formação de pesquisadores em todas áreas e temas, o que será do futuro da ciência brasileira? Como seremos capazes de responder a problemas e desafios futuros da ciência, da tecnologia e da inovação, muitos deles imprevisíveis? Atrelar necessariamente todas as ações de fomento à pesquisa e de formação de recursos humanos a determinadas prioridades de cunho tecnológico não é a melhor estratégia a seguir, como atestam a história da ciência dos dois últimos séculos e as experiências de países que lideram a CT&I e a economia no mundo.
O impacto desta portaria já se fez sentir na recente definição da Pré-Chamada do CNPq, de 23 de abril de 2020, [http://www.cnpq.br/web/guest/noticiasviews/- /journal_content/56_INSTANCE_a6MO/10157/8920772] para bolsas de Iniciação Científica. Anuncia-se ali que “As bolsas terão vigência de agosto de 2020 a julho de 2021 e deverão estar vinculadas a projetos de pesquisa que apresentem aderência a, no mínimo, uma das Áreas de Tecnologias Prioritárias do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). (…) São também considerados prioritários, diante de sua característica essencial e transversal, os projetos de pesquisa básica, humanidades e ciências sociais que contribuam, em algum grau, para o desenvolvimento das Áreas de Tecnologias Prioritárias do MCTIC e, portanto, são considerados compatíveis com o requisito de aderência solicitado.” Ou seja, trata-se de uma definição em acordo com as determinações da Portaria 1122/2020, ela não é tomada apenas como uma orientação como propõe a Portaria 1329/2020.
Essa determinação de aderência às áreas de tecnologias prioritárias afunila a cadeia de formação dos jovens desde o início, ou seja, apenas aqueles que estiverem com projetos atrelados a essas áreas poderão ter uma experiência PIBIC, que é um diferencial reconhecidamente marcante na vida de milhares de jovens que se tornaram pesquisadores nas mais diversas áreas. Além disso, no início da carreira, esses jovens serão levados a desistir de certos temas de pesquisa porque eles não estão vinculados diretamente às áreas de Tecnologias Prioritárias.
Em outra passagem do texto do CNPq está a afirmação: “As bolsas de IC buscam inserir os jovens na cultura científica, despertando a vocação pela ciência, promovendo a formação de novos pesquisadores e o fortalecimento de grupos de pesquisa e impulsionando a política científica institucional.” Estamos inteiramente de acordo com esta afirmação, mas nos parece que ela está em desacordo com o requisito restritivo mencionado acima. O PIBIC tem tido um impacto muito significativo, há décadas, na formação de recursos qualificados para toda a ciência e a tecnologia brasileiras.
Neste sentido, solicitamos que as prioridades, como colocadas nas duas portarias, sejam rediscutidas com a comunidade científica, especialmente em relação ao apoio à ciência básica, aí incluídas evidentemente as ciências humanas e sociais.
Uma proposta que fazemos, no sentido da resolução dessa questão e, eventualmente, de outras, é a criação de um Grupo de Trabalho com alguns membros do MCTIC e representantes da comunidade científica no qual pudéssemos discutir as prioridades ali colocadas e, em especial, o ponto que nos preocupa muito: a não definição clara de estratégias e prioridades referentes à pesquisa básica. Ressaltamos que já existe uma longa experiência de interações deste tipo entre o MCTIC e a comunidade científica na formulação de legislações e regras. Por exemplo, isto ocorreu, anos atrás e de forma exitosa, no caso da discussão do Marco Legal e, mais recentemente, na discussão sobre a legislação relativa à biodiversidade. Foi muito produtiva a atuação desses grupos de trabalho que envolveram membros do governo, bem como representantes da comunidade científica e tecnológica e de setores empresariais.
Certos de contar com sua compreensão em relação às considerações aqui expostas, despedimo-nos atenciosamente,
Luiz Davidovich – Presidente da Academia Brasileira de Ciências
Ildeu de Castro Moreira – Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência