por Da Redação

O Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ), a Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) devem propor em breve a lista de nomes para a comissão que discutirá as diretrizes curriculares dos cursos de Jornalismo, no âmbito do Ministério da Educação (MEC). A movimentação é resultado da audiência com o ministro Fernando Haddad, realizada em 23 de outubro, com a presença de Carlos Franciscato, presidente da SBPJor, Sérgio Murilo de Andrade, presidente da Fenaj, Carlo Torves, diretor da Fenaj, e Edson Luiz Spenthof, presidente do FNPJ. Também esteve presente o coordenador-geral de comunicação do Ministério, Núnzio Filho.

De acordo com Spenthof, Haddad disse que o MEC está desencadeando um processo amplo de revisão da qualidade e da estrutura curricular de quatro cursos que têm relação direta com a democracia: a medicina, a pedagogia, o direito e agora o jornalismo. Ainda conforme relato do presidente do FNPJ, o ministro garantiu que isso não tem nada a ver com o processo que corre no Supremo, de desregulamentação da profissão, pois a responsabilidade do Ministério é com a qualidade da formação e a discussão sobre a regulamentação não diz respeito a sua pasta.

Questionado pelo presidente da Fenaj sobre um possível convite do Ministério do Trabalho para integrar o Grupo de Trabalho que analisa esse tema, Haddad afirmou que não sabe dizer se o MEC foi convidado e nem tem muito interesse em participar, pois, naquela comissão, se discute regulamentação. Para ele, o jornalismo é importante para a democracia e o MEC tem a responsabilidade perante a qualidade dos cursos. Essa seria a competência do MEC.

Spenthof afirmou que o ministro defendeu a necessidade de formação superior específica para o exercício da profissão, que constitui, segundo suas palavras, um campo de conhecimento específico, e que isso não é compreendido por muitos setores da sociedade. “Para Haddad, a decisão do Supremo, seja pela manutenção ou pela eliminação da necessidade da formação superior específica, não muda os planos do MEC. Ele disse que, ao contrário até do que já se ventilou, se o STF vier a derrubar a obrigatoriedade do diploma, a responsabilidade do MEC aumentará, pois a sociedade não pode abrir mão de bons cursos, como acontece em muitos países nos quais o diploma não é obrigatório, mas a formação é muito valorizada”, conta o presidente do FNPJ.

Ainda segundo Spenthof, o ministro Haddad revelou possuir um diagnóstico de que a estrutura, especialmente a curricular, dos cursos de jornalismo está “frouxa”, sem uma sólida base de formação para o jornalismo, com o conteúdo de muitos cursos, inclusive em instituições de ensino de referência, deixando a desejar, gerando reclamação dos estudantes em todo o Brasil. “Diante dessa situação, o ministro confessou que pensou até em fechar cursos, mas, em vez disso, houve a decisão de criar primeiro uma ‘métrica’ que balizasse a qualidade dos cursos, para, depois, haver mais rigor, inclusive com fechamento daqueles que não se adequarem”, explicou o presidente do FNPJ.

Quanto a suas declarações para a imprensa, o ministro também manifestou, durante a audiência, o interesse em discutir a dupla diplomação, ponto que não ficou absolutamente claro durante a reunião. O ministro deu como exemplo principal o que já ocorre na área das licenciaturas, em que, após a diplomação, a pessoa se submete a um período (menor que o do curso normal de graduação) e adquire um segundo diploma. Da mesma forma, entende que seria conveniente aproveitar conhecimentos como o do economista e dar-lhe um segundo diploma, após um período de aperfeiçoamento em jornalismo. “Ele garantiu que não há intenção de implantar aqui o Processo de Bologna, que na Europa tem resultado em graduação genérica de três anos, complementados com mestrados profissionalizantes, pois acredita que isso não deu certo lá e que ocorrerá uma reversão”, relatou Spenthof. De acorco com o presidente do FNPJ, a proposta que o ministro fez contempla a discussão de dois aspectos: a rediscussão das diretrizes curriculares e, paralelamente, o debate sobre a dupla diplomação.

O FNPJ tem debatido a atualização das diretrizes por meio de comissão própria, formada por membros da diretoria executiva. Spenthof concorda com boa parte do diagnóstico apresentado pelo ministro, mas acredita, e disse isso ao ministro, que essa “frouxidão” curricular se deve justamente a um distanciamento da especificidade do jornalismo. “Lembrei a ele que as interfaces do conhecimento são fundamentais para uma sólida formação do jornalista, mas que não podemos nos esquecer de que, ao contrário do que ocorre em muitas outras áreas, no jornalismo, há uma exigência social de manutenção de uma espinha dorsal não-hibridizada, inclusive (e, às vezes, sobretudo), com outros campos da área da comunicação. Também destaquei que a sociedade não aceita que o produto por excelência do trabalho jornalístico, a notícia e a reportagem, sejam contaminadas pela publicidade ou pela ficção”, continuou o presidente do Fórum, dizendo que vários pontos que levantou na audiência receberam a concordância do ministro e de seu assessor, como “a rigidez, absolutamente necessária à democracia, ter de estar refletida no ensino” e “os instrumentos de avaliação não estarem captando adequadamente essa especificidade”. Spenthof aproveitou para entregar a Haddad a carta aberta enviada aos ministros do Supremo sobre os riscos para a democracia com o eventual fim da obrigatoriedade da formação superior em jornalismo.

O processo pelo qual a questão das diretrizes seguirá, segundo a vontade do ministro Haddad, envolve duas etapas – revisão das atuais diretrizes, instituindo um núcleo duro, muito bem-constituído, de disciplinas que garantam uma sólida formação do jornalista, e, com base nessa nova “métrica”, segundo o ministro, alteração dos instrumentos e processos de autorização e reconhecimento dos cursos. A primeira etapa envolverá a formação de uma comissão informal, integrada por especialistas, que deve elaborar um diagnóstico e uma proposta de atualização das diretrizes. Haddad declarou aos presentes que, de posse dessa proposta, pretende provocar o CNE (Conselho Nacional de Educação) para que abra formalmente um processo de discussão e de atualização das diretrizes curriculares. Veja abaixo a íntegra do relatório da reunião elaborado pelo presidente do FNPJ.

RELATO DA AUDIÊNCIA COM O MINISTRO DA EDUCAÇÃO, FERNANDO HADDAD, REALIZADA EM 23 DE OUTUBRO DE 2008

Presentes:

Ministro, Fernando Haddad

Coordenador-geral de comunicação do Ministério, Núnzio Filho

Carlos Franciscato, presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor)

Sérgio Murilo de Andrade, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)

Edson Luiz Spenthof, presidente do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ)

RELATO

A audiência começou por volta de 11h15 e durou cerca de 30 minutos. O ministro justificou o pouco tempo dizendo que teria de participar da recepção ao Rei da Jordânia, que teria sido antecipada para 11h45.

O ministro começou a reunião dizendo que o MEC está desencadeando um processo amplo de revisão da qualidade e da estrutura curricular de quatro cursos que têm relação direta com a democracia. Disse que isso já foi feito na área da saúde, com os cursos de pedagogia, do direito e agora chegou a vez do jornalismo.

O ministro garantiu que isso não tem nada a ver com o processo que corre no Supremo, de desregulamentação da profissão. No raciocínio dele, a responsabilidade do Ministério é com a qualidade da formação e que a discussão sobre a regulamentação não diz respeito à sua pasta. Respondendo ao presidente da Fenaj sobre um possível convite do Ministério do Trabalho para integrar o Grupo de Trabalho que analisa esse tema, ele disse que não sabe e que nem tem muito interesse em participar. Para ele, o jornalismo é importante para a democracia e o ministério tem a responsabilidade perante a qualidade dos cursos.

O ministro defendeu reiteradamente a necessidade de formação superior específica para o exercício da profissão, que constitui, segundo suas palavras, um campo de conhecimento específico, e que isso não é compreendido por muitos setores da sociedade. Afirmou que a decisão do supremo, seja ela pela manutenção ou pela eliminação da necessidade da formação superior específica, não muda os planos do MEC, que não estariam se pautando por essa agenda, mas pela agenda própria do ministério. Disse que, ao contrário até do que já se disse, se o STF vier a derrubar a obrigatoriedade do diploma, a responsabilidade do MEC aumenta, pois a sociedade não pode abrir mão de bons cursos, como acontece em muitos países nos quais o diploma não é obrigatório, mas a formação é muito valorizada. Ele disse que a atuação do MEC é no campo da formação. Nem especialização lato sensu o MEC estaria regulando, pois isso faz parte da autonomia das instituições.

Haddad disse que há no ministério um diagnóstico de que a estrutura, especialmente a estrutura curricular, dos cursos de jornalismo está muito frouxa, sem uma sólida base de formação para o jornalismo. O conteúdo de muitos cursos, inclusive em instituições de ensino de referência, estaria deixando a desejar e estaria havendo muita reclamação por parte dos estudantes em todo o Brasil.

O ministro disse que pensou até em fechar cursos, mas, em vez disso, houve a decisão de criar primeiro uma “métrica” que balizasse a qualidade dos cursos, para, depois, haver mais rigor, inclusive com fechamento daqueles cursos que não se adequarem.

O ministro também manifestou o interesse em discutir a dupla diplomação. Neste ponto, o menos claro da reunião, voltou ao que já havia dito em declarações para a imprensa. Entende que seria razoável ocorrer o que já se verifica no Brasil nas licenciaturas. Disse que seria interessante aproveitar o conhecimento do médico para produzir informações sobre a área da saúde, do economista para produzir informações sobre economia etc., sem que essas pessoas tivessem que fazer novamente um curso de graduação de “3.200” horas.

O ministro deu o próprio exemplo, de que tem graduação em direito, mestrado em economia e doutorado em ciência ou filosofia política e que mobiliza todos esses conhecimentos nas aulas que dá. Mas ele garantiu que não há intenção de implantar aqui o Processo de Bologna, que na Europa tem resultado em graduação genérica de três anos, complementados com mestrados profissionalizantes. Ele acha que isso não deu certo lá e que ocorrerá uma reversão.

Nesse momento, ele voltou a lembrar que o jornalismo é um campo específico do conhecimento, que precisa ser respeitado numa sólida graduação. “Para nós, o jornalista deve ser formado em graduação, mas devemos discutir a dupla diplomação”. Esta, contudo, não ficou muito clara, até porque os exemplos foram os da licenciatura e do ensino, e não de áreas como o jornalismo.

A proposta que o ministro fez então, contempla a discussão de dois aspectos: a rediscussão das diretrizes curriculares e, paralelamente, o debate sobre a dupla diplomação.

Foi então que pedi para falar. Disse ao ministro que concordava, e que as três entidades poderiam facilmente concordar boa parte do diagnóstico, mas que essa “frouxidão” curricular se deve, na nossa opinião, justamente a um distanciamento da especificidade do jornalismo. Lembrei a ele que as interfaces do conhecimento são fundamentais para uma sólida formação do jornalista, mas que não podemos esquecer que, ao contrário do que ocorre em muitas outras áreas, no jornalismo há uma exigência social de manutenção de uma espinha dorsal não-hibridizada, inclusive (e, às vezes, sobretudo), com outros campos da própria área da comunicação. Lembrei que a sociedade não aceita que o produto por excelência do trabalho jornalístico, a notícia e a reportagem, sejam contaminadas pela publicidade ou pela ficção. E o próprio ministro completou: “ou pela opinião”. Ele também concordou quando eu disse que essa rigidez, absolutamente necessária à democracia, tem de estar refletida no ensino. Também concordou quando falei que hoje nem os instrumentos de avaliação têm captado adequadamente essa especificidade. O assessor dele também foi enfático ao concordar.

Quando o ministro voltou a afirmar que as pessoas não entendem essa natureza do jornalismo, de que o MEC reconhece a especificidade dessa área do conhecimento e que é uma área estratégica para a democracia, pedi a palavra e disse que, diante dessas considerações, me sentia à vontade para entregar a carta aberta que entregamos aos ministros do supremo, na qual procurávamos deixar esses conceitos bem claros.

Depois, o ministro informou que, no que diz respeito às diretrizes, o processo que pretende desencadear tem duas etapas:

1ª) Rever as atuais diretrizes, instituindo um núcleo duro, muito bem constituído, de disciplinas que garantam uma sólida formação do jornalista.

2ª) Mexer nos instrumentos e nos processos de autorização e reconhecimento dos cursos.

A primeira etapa se divide em duas:

a. Formação de uma comissão informal, integrada por especialistas, que deve elaborar um diagnóstico e uma proposta de atualização das diretrizes. A comissão teria uma espécie de função assessora do MEC. Ele pediu que nós (Fenaj, SBPJor, FNPJ) indiquemos nomes, mas que não devem ser indicações institucionais, pois isso não teria dado certo em outras ocasiões. Também não se comprometeu em aceitar, a priori, as nossas indicações. Ele disse que espera que as pessoas indicadas tenham uma sólida experiência tanto de redação quanto da docência e uma igualmente sólida formação teórica. Ele relatou que já fez consultas ao Eugênio Bucci e ao Carlos Eduardo Lins e Silva, mas ambos teriam se declarado incompetentes: o primeiro porque nesta quarta-feira a mulher dele assumiu a presidência da Sesu, e o segundo por causa da relação com a Folha de S. Paulo. Haddad chegou a dizer que está com dificuldades para compor a comissão.

b. Provocar o CNE a abrir formalmente um processo de discussão e de atualização das diretrizes curriculares, com base no documento e diagnóstico que a comissão informal elaborar. Ele lembrou que neste momento, que será forçosamente público, haverá espaço para as propostas institucionais.

O presidente da SBPjor, Carlos Franciscato, fez alguns alertas sobre as diferenças e dificuldades de discussão dentro da própria área da comunicação e procurou extrair do ministro informações sobre como isso se daria, se isso seria levado em consideração, e questões relacionadas a datas, tamanho da comissão, prazos e outras questões, mas o ministro disse que não há ainda um formato claro, nem datas, nem tamanho, mas que tem pressa e que está se concentrando no jornalismo, neste momento.

O presidente da Fenaj, Sérgio Murilo, entregou um livro da campanha em defesa do diploma e esclareceu que, quando deu as declarações à imprensa considerando inoportuna a manifestação do ministro, referia-se apenas à regulamentação, mas que isso não se estende à discussão de diretrizes curriculares e outras que dizem respeito ao ensino de jornalismo, nas quais não só acha que o MEC tem toda a legitimidade como a entidade (FENAJ) tem total interesse e sempre se prontificou a participar.

Finalizando a reunião, o ministro disse: “pelo menos nesses aspectos [a especificidade e a importância do jornalismo e a necessidade de uma sólida formação numa graduação específica] a gente tem consenso, não tem?”. Nós respondemos que sim. “Então, se temos neste ponto inicial, as chances de nos entendermos é grande.”, disse Haddad. E nós também concordamos, comprometendo-nos a sugerir nomes para a comissão.

AVALIAÇÃO PRELIMINAR

Eu voltei imediatamente depois de audiência para Goiânia, pois tive de acompanhar a minha mãe em retornos decisivos ao médico. Mas conversamos rapidamente e o nosso diagnóstico é de que foi uma audiência boa, em que o ministro usou muitos dos nossos próprios conceitos e argumentos. Contudo, ficaram nas nossas cabeças as seguintes dúvidas e questões:

A dúvida sobre se teriam estudado os nossos discursos e essa teria sido uma estratégia para acalmar os nossos ânimos, e, com isso, eliminar, pelo menos de cara, um possível obstáculo, já que a audiência foi pedida por nós com base nas declarações públicas do ministro;

Que, apesar da afirmação de reconhecimento da importância e da especificidade do jornalismo, o ministro sempre manteve uma porta aberta para a discussão ainda pouco clara da dupla diplomação e, no que diz respeito às diretrizes, para a incorporação de uma certa generalidade do conhecimento. Na nossa avaliação, essas são duas brechas para possíveis divergências e conflitos de fundo com o MEC no futuro;

Que a gente não pode esquecer que está negociando com o governo, e que este, especialmente, é um governo de composição de forças muito díspares, no qual o “fogo amigo” tem um impacto detonador às vezes mais forte do que o “fogo inimigo”;

Mas que há um fato positivo no comprometimento inicial do ministro com uma determinada concepção de jornalismo e de formação e que, uma vez tornadas públicas por nós, deixam o ministro em dificuldades para, no futuro, pelo menos próximo, mudar radicalmente de posição. A não ser que use o discurso de que “se baseou em novos estudos e que viu que estava equivocado”.

Edson Luiz Spenthof

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