Direção do FNPJ alerta para grave quebra do estado democrático de direito

por Diretoria FNPJ

A direção do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) vem a público, como o fez várias vezes nos últimos anos, para alertar para a grave e já sistemática quebra dos princípios básicos do Estado Democrático de Direito, perpetrada de forma orquestrada por parte da Polícia Federal, do Ministério Público, do Judiciário e por boa parte dos meios de comunicação nacionais.

No entendimento da direção do FNPJ, nos regimes democráticos republicanos, há um fator que precede toda e qualquer investigação e publicação de possíveis atos de corrupção: a garantia de que a investigação e a cobertura jornalística sigam os mais elementares valores jurídicos e éticos da presunção de inocência, da igualdade perante a lei, do devido processo legal, do respeito aos direitos humanos. Sem isso, há vício não só de forma, mas de mérito, e corre-se o risco, como agora, de incitação à violência e à condenação popular antes da condenação judicial e o da condenação judicial por teorias que dispensam prova material. Enfim, da implantação de um Estado de Exceção, ainda que não seja imposto por armas, como em 1964.

É no mínimo preocupante a tese de que um dia as investigações chegarão a indivíduos abrigados hoje em uma espécie de escudo chamado oposição porque, primeiro, teriam de ser punidos os corruptos que estão no governo e no seu principal partido de sustentação. Em essência, porque isso vai desequilibrando de maneira irreversível o quadro político, em que se destrói não só o que de errado foi feito nos últimos anos, mas também a lista de acertos já reconhecida pela comunidade internacional. Não haverá volta, ou terão de ser transcorridas, novamente, várias décadas para que as forças políticas e as ideologias se reequilibrem de maneira justa, como exige uma democracia de fato e de direito.

O momento é tão grave que já se pergunta o que é pior: a corrupção em si ou instituições estatais (Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal) e sociais (mídias) que se valem de métodos no mínimo obscuros para investigar, colher depoimentos, prender e divulgar informações sobre supostos criminosos. Para o FNPJ, os fins continuam não justificando os meios. Inclusive, não custa repetir, pelo aspecto pragmático de que, varrida uma eventual corrupção de um lado, as instituições precisariam estar equilibradas, fortalecidas e legitimadas para impedir ou eliminar a de outro. Se não forem observadas as regras do jogo democrático, corremos o grave risco de amanhecer com um Presidente da República deposto e, em seu lugar, um presidente corrupto, pelo simples fato de que sobre este se fez a opção da não investigação.

Mesmo afastada a hipótese (o que ainda não se comprovou) de que o grampo de um juiz de primeira instância não estava instalado no telefone da Presidente da República, permanece o triplo crime de a gravação ter ocorrido após a cessação do mandado judicial que a autorizava, de ter sido publicada (pelo mesmo juiz que determinou que ela não existisse) em vez de ser enviada por ele ao Supremo, por envolver Presidente da República, e de não conter prova de crime contra os envolvidos no diálogo (outra condição para divulgação de gravações judiciais). Um crime do judiciário e um crime dos donos da mídia que sabem muito bem ser esta uma grave afronta à legislação e um grave desvio de conduta, expressamente vedado pelo Código de Ética do Jornalista Brasileiro.

Não faltaram críticas de ministros do STF a tal prática. Mas o FNPJ pede mais: que haja tanto a punição severa de qualquer cidadão envolvido em corrupção quanto de qualquer cidadão público que, investido dos poderes de investigação e punição, não se portar em consonância com a função e com a legislação vigente. Sem passar isso a limpo, não há como falar em “lavar” mais nada. E sem resgatar a moralidade das nossas instituições continuaremos assistindo a outros fatos graves, também inseridos de forma orquestrada no contexto, como a aprovação do projeto de lei que entrega boa parte do Pré-Sal, um patrimônio de todos os brasileiros, a falidas petrolíferas internacionais.

Se um juiz não obedece rigorosamente às regras mais elementares do Estado Democrático de Direito, se não se submete ao rito judicial e processual, deslegitima toda a sua ação e faz supor que não está a serviço da lei. E pior: joga por terra de vez a esperança daqueles que viam nas investigações em curso uma oportunidade de “lavar” o país, colocando na cadeia todos os corruptos, de todas as cores partidárias. Fazer investigação ideológica só agrava o quadro, pois isso dá salvo-conduto àqueles intencionalmente protegidos. Isso torna fortes as suspeitas que antes se poderia atribuir apenas a investigados desesperados, de que o objetivo não é pôr fim à corrupção, mas, sim, cassar um projeto político pela via judicial em vez de fazê-lo pelo caminho da eleição.

A instituição social chamada mídia goza de uma espécie de mandato social para corretamente apurar os fatos, zelando rigorosamente pela pluralidade de opiniões e versões. Ela está, portanto, moralmente proibida de manipular informações e participar de uma orquestração que vise destituir um governo legitimamente constituído ou, por outro lado, deslegitimar o papel de uma oposição democrática. Também está proibida moralmente de assumir o posto de partido político, de oposição ou situação, pois isso destrói a essência do jornalismo, como forma de produção de conhecimentos e de mediação social.

Essa prática, em curso desde o primeiro ano do primeiro governo Dilma Rousseff, como esta diretoria já alertou em outros momentos, corresponde exatamente ao contrário do que todos nós professores de jornalismo ensinamos aos nossos alunos Brasil afora. Tal fato começou a ser observado sistematicamente desde o momento em que a presidente de uma importante instituição representativa de donos de mídia declarou publicamente que, diante de uma oposição fraca, deveria ela, a mídia, assumir esse papel. Hoje a dúvida parece ser apenas se esta era uma senha ou uma ordem.

Desde a citada declaração, o que se viu de forma consonante na grande mídia brasileira foi, em primeiro lugar, a tentativa de demonstrar que o País estava à beira da desintegração, especialmente econômica, fazendo sumir do noticiário a crise internacional da qual ela (a mídia) se ocupava tanto até então e que ainda assola terrivelmente o mundo, passando a culpar exclusivamente o novo governo por todos os dissabores econômicos. Associado a isso, surge o tema da corrupção que, obviamente não foi invenção da mídia, mas que passou a ser incansável e seletivamente divulgada, diferentemente do que havia feito antes de o atual projeto político se tornar governo, mesmo diante de fortes indícios e graves denúncias que se transformaram em livros escritos por jornalistas de grande e respeitável trajetória. O que vemos atualmente é uma mídia que abriu mão de fazer jornalismo investigativo, optando por um jornalismo meramente declaratório que não raro transforma a palavra de corruptos comprovados em fatos verdadeiros.

Contudo, mídia não é e não pode ser partido político. E não pode ser Polícia, Ministério Público e Judiciário. Esses papéis estão claramente definidos na nossa constituição e devem ser respeitados. Se a mídia não conseguir refletir um contraditório real em lugar do contraditório formal, em que os tempos de acusação e adjetivação contrários ao governo e eleitores que lhe dão sustentação não se equilibrarem com a defesa destes e com as acusações já feitas à oposição, teremos outro grave prejuízo: o próprio papel do jornalismo é que estará sendo questionado. Não é desproposital afirmar hoje que nós levaremos décadas para recuperar, junto a uma enorme parcela bem informada da sociedade, a imagem do jornalismo como uma instituição séria, independente, que só se legitima como mediador social na medida em que faz da busca incessante pela isenção, neutralidade e imparcialidade sua prática diária. Esta Diretoria entende que uma sociedade livre, justa e democrática depende do bom funcionamento da instituição social jornalismo. Quando não, corre-se o risco de repetir a história de enormes retrocessos democráticos como em um novo 1954 e 1964.

Conclamamos, pois, que as instituições públicas, privadas e sociais atuem de forma permanente e coerente no combate a toda forma de corrupção entranhada na sociedade brasileira, especialmente no modelo político vigente, mas sempre agindo e cobrando que se aja rigorosamente dentro do Estado Democrático de Direito, sem o vezo partidário e corporativo e primando pela coesão social, própria da sociedade brasileira.

Diretoria do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo

Brasília, DF, 23 de março de 2016

Artigos relacionados

Respostas