“Comunicação e pedagogia emancipatória” é resultado de palestras e debates com pesquisadores e professores de diferentes instituições. Confira a entrevista.

 

Por Ana Paula Oliveira

A obra “Comunicação e pedagogia emancipatória”, dividida em dois volumes é o mais novo livro organizada por Eduardo Meditsch, Rose Dayanne Santana Nogueira e Nicole Guimarães. Resulta da disciplina Pedagogia da Comunicação, ministrada como tópico especial no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação (FAC) da Universidade de Brasília (UnB), o livro reúne o maior e mais diverso conjunto de textos sobre ensino de Comunicação e Jornalismo do Brasil. As contribuições de pesquisadores reflete sobre experiências profissionais e acadêmicas, a história do ensino, a formação docente, relacionados ao pensamento freireano.

A obra coloca em diálogo campos e temas como a comunicação, jornalismo, educação, ciência da informação, novas tecnologias, podcasting. Os capítulos costuram o pensamento freiriano como elemento que pode contribuir para o diálogo, destacando a importância de ambos para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.

Estes e outros temas são abordados na entrevista realizada com Eduardo Meditsch, figura incansável quando o assunto é o desenvolvimento dos estudos e o ensino de jornalismo no Brasil. Professor aposentado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde ata desde 1982, é autor de vários artigos e livros de referência, entre eles “Pedagogia e Pesquisa para o Jornalismo que está por vir”.  Em 2021 foi vencedor do Prêmio ABEJ e participou ativamente do 22º Encontro Nacional de Ensino de Jornalismo, realizado recentemente em Manaus, onde também lançou o livro.

Em “Comunicação e pedagogia emancipatória”, Meditsch celebra o centenário de Paulo Freire (2021) a partir de debates e palestras que reuniram pesquisadores de diferentes instituições e com perspectivas diversas.

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Ana Oliveira: Como o jornalismo pode melhorar suas práticas rumo à construção eticamente humanizada acerca do mundo, de acordo com a prática educativa proposta por Paulo Freire? O professor acha que os jornais independentes conseguem atuar dessa forma?

Eduardo Meditsch: Freire dizia que uma educação ideal só pode acontecer numa sociedade ideal. Acho que a ideia também serve para o jornalismo. Mas dizia também que na educação de agora, com todos os seus problemas e contradições, era possível e necessário trabalhar para melhorar a sociedade. No jornalismo é o mesmo, independente da organização em que acontece. É claro que quanto mais independente for dos poderes dominantes na sociedade, mais vai poder exercer este papel crítico em relação a ela, um papel que, segundo Freire, deve ser de denúncia do errado e de anúncio de alternativas melhores.

 

AO: A analogia entre as práticas educacionais e jornalísticas no pensamento de Freire, fundamenta-se na ideia de que informar também é educar. Ou seja, essa distinção entre informar e educar não existe como algo separado? Poderia explicar um pouco mais sobre isso?

EM: Freire via a educação como um processo muito mais amplo do que o que acontece na escola. Através do conceito antropológico de cultura que propunha, demonstrava que mesmo pessoas sem acesso à escola eram educadas pela vida e sabiam muita coisa. É neste sentido que via o potencial de educação em muitas atividades, como por exemplo na política e no jornalismo.

 

AO: Freire ressalta a importância de ter uma visão crítica sobre tudo aquilo que vemos, ouvimos e observamos, bem como por uma ética da escuta. O próprio processo de apuração e checagem das informações envolve a escuta do outro, das fontes, dos pares, das audiências. O que é preciso racionalizar para compor a narrativa?

EM: Acho que a boa técnica de reportagem ensina a escutar, mas no jornalismo estamos mais atentos em escutar as fontes, raramente às audiências. E, quando estas são escutadas, são numa perspectiva de marketing, são escutadas como consumidoras, nunca como cidadãs. Me dei conta há pouco que nos cursos de jornalismo temos disciplinas que ensinam a falar por todas as mídias, mas nenhuma que ensine a escutar. Na minha opinião, grande parte da crise do jornalismo se deve a isto, pois há muito está perdendo público e não consegue renová-lo por esta incapacidade de comunicação que passa pela escuta.

 

AO: A metodologia de Paulo Freire empreende o processo pedagógico com processo de construção coletiva do conhecimento, ou seja, combate a ideia de que o aluno deve decorar o conteúdo teórico. Freire propõe o método de diálogo, que requer que o educador se coloque aberto a escutar o outro, respeitar sua cultura e seu local de fala, sobretudo se voltado às camadas populares. Quais os limites dessa intervenção na prática?

EM: Acho muito boa uma imagem que ele fez numa fala: a melhor maneira de se ensinar alguém a atravessar uma rua movimentada é ir até ela e acompanhá-la, e não ficar gritando do outro lado da rua como ela deve vir. Embora isso pareça simples, requer muito preparo, e, portanto, a capacitação de professores – e no nosso caso – de jornalistas, para compreenderem como realmente funciona a comunicação humana: é nisso que se baseia o método de Freire. Parece simples, mas tanto a escola tradicional como o jornalismo tradicional não conseguem fazer isso, e depois não compreendem porque há evasão de alunos e evasão de públicos. Ou seja, embora esse tipo de intervenção tenha limites – e Freire fala disso nos textos dele – a sua não adoção também o tem, e tem consequências mais graves.

 

AO: Por trás Da teoria, do método, penso que há uma teoria da linguagem. A concepção da palavra como diálogo.  Poderia falar mais sobre isso? Quais as principais fontes nesse caso?

EM: Creio que o diálogo como proposto por Freire não é apenas uma questão de linguagem, embora passe por ela. Investigar o universo vocabular e semântico do público alvo, a sintaxe que usa em suas narrativas, para partir deste lado da rua, é uma das etapas do método, que ele explica bem na Pedagogia do Oprimido. Mas a concepção de diálogo em Freire se apoia em referências filosóficas sobre o que é o ser humano, que buscou em várias fontes ao longo de sua formação, como no existencialismo cristão, no pragmatismo e no marxismo. Creio que o livro do professor Venício Lima, “Paulo Freire, a prática da liberdade além da alfabetização”, que está disponível online, é um bom guia para entender a concepção de diálogo de Paulo Freire.

 

AO: No terceiro livro dialogado com Sérgio Guimarães, quando este o interroga sobre o que levava na mala, o pedagogo se dá conta da riqueza da pergunta – e de uma abordagem jornalística da realidade, a partir do singular – respondendo: “Assim, como jornalista, você evidentemente tem a sensibilidade da existência, não? ” (FREIRE & GUIMARÃES, 1987, p. 70).  Poderia falar mais sobre essa “sensibilidade da existência” que o Paulo Freire se refere?

EM: Paulo Freire se refere a esta capacidade do jornalismo de “se molhar” na realidade. Ele era muito crítico de uma certa ciência social feita nos gabinetes, longe da realidade, e admirava o jornalismo por ir até ela não apenas para observá-la, mas também para sentí-la.

 

AO: O que o professor entende como jornalismo popular? Tem avanços, aceitabilidade? Haveria um tipo de jornalismo que poderíamos definir como popular?

EM: Talvez por esse elitismo histórico do que consideramos bom jornalismo, não temos um jornalismo popular de qualidade, o que levasse informação qualificada para além dos limites da bolha da classe média alta ou intelectualizada. É também curioso como as áreas acadêmicas do jornalismo e da comunicação popular não se conversam na universidade, e uma teria muito a aprender com a outra. Um jornalismo popular eficaz seria aquele que adotasse a perspectiva dialógica e emancipadora da pedagogia de Paulo Freire.

 

AO: Como   você vê o futuro do jornalismo a partir do seu livro Comunicação e pedagogia emancipatória: memória da disciplina Paulo Freire e a comunicação no PPGCom da FAC UnB. O que está por vir dentro dessa perspectiva?

EM: Eu escrevi outro livro que se chama “Pedagogia e Pesquisa para o Jornalismo que está por vir”. Creio que o jornalismo que está por vir é um jornalismo que consiga levar esclarecimento e consciência à maior parte da população brasileira, especialmente os excluídos socialmente pela pobreza e os jovens, segmentos com que o jornalismo atual não tem conseguido se comunicar, pelo seu conservadorismo e elitismo.

 

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